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segunda-feira, junho 27, 2011

Ciclo preparatório 

De cada vez que o universo caminha do big-bang ao grande nada, voltando ao início, voltando ao fim, as humanidades - que se sucedem em cada ciclo - procuram, de alguma forma, viver para além do fecho que aprendem ser inexorável, para além da evaporação final dos átomos.

Procuram combater essa derradeira - verdadeiramente derradeira - mortalidade a que está condenado cada sucessivo universo, essa hecatombe sem fim mas final de uma mais eternidade de escritores, cientistas e amores.

Lutam contra cada recomeço, por os saberem falseados pela ignorância da sua repetição, por cada partida pretensamente fresca se fazer a custo de tão incontáveis custos; tentam, sobretudo, evitar a irreparável perda da memória da perda.

Passam por isso milhões - milhões de milhões - de anos a tentar deixar mensagens para além não só do tempo, mas para o Além do espaço-tempo. De cada vez, procuram que algo da imensa ciência, conhecimento ou sentir acumulado ultrapasse a sua inutilidade final, deixando algum mínimo traço, um toque na estrutura mais profunda da base da matéria, um ponto que seja de informação que possa re-emergir no círculo seguinte.

Talvez seja a isso que chamamos, quando as descobrimos, leis da física, genes ou profecias. Ou talvez que o resultado seja, a cada ciclo, o alargar da duração de cada era. Ou talvez seja que mesmo a introdução de um novo quark ou a alteração de uma constante gravítica no seguinte universo ainda não resulte em mais do que esquiços de ideias: a sugestão de uma teoria do eterno retorno, a inspiração para um livro de ficção científica, uma intuição, um déjà-vu.

O que sei é que, de cada vez que roda o carrossel, a humanidade procura deixar-lhe um risco, uma marca, um contador de voltas. Esperando um dia cobrar cada uma ao senhor seu Deus.

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Felicidades 

- ver o fogo-de-artifício do Senhor de Matosinhos, encostado ao vidro do restaurante, com a namorada e os amigos logo ali, do outro lado da transparência;

- conversar no telhado de uma casa de Vale da Telha;

- apanhar lulas com as mãos, em São Tomé.

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Graduation 

Do dia dos namorados às pipocas no cinema, copiamos, sem crítica ou sentido, todos os disparates. Há um, contudo, que deveríamos importar sem receio: a comemoração do fim do liceu.

Não pela cerimónia, mas pela valorização social da educação que isso acarreta. E isso seria uma nova oportunidade.

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Cray 

Um dia vamos ter de usar super computadores só para confirmar que algo não foi já escrito antes.

E quando já nada resultar da pesquisa, quando tudo já tiver sido escrito, o mundo vai desligar-se.

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Bloco ao smash 

Bloqueios ao fazer o smash, ao disparar para golo, ao finalizar; ao terminar, ao dizer adeus, ao colocar o ponto final; ao acrescentar os últimos 10 que garantem os 90.

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DG Comm 

“[Arnold] Hauser admite que só uma sociedade cujos poderes se vêem ameaçados carece de uma estrutura de propaganda artística, de forma a influenciar capazmente a opinião pública que convém congregar”.

Para uma introdução à sociologia da arte, Carla Alexandra Gonçalves

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Colecção 

Melhores títulos de capítulos:

- (3.3) “Das poucas ideias de Marx e Engels sobre a arte”

- (4) “A fortuna do materialismo”

Para uma introdução à sociologia da arte, Carla Alexandra Gonçalves

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quinta-feira, junho 23, 2011

Ricos talheres 

Comer com talheres de prata terá de ser, seguramente, causa de envenamento por metais pesados.

Claro que estão imunes aqueles que tiveram contacto prévio regular com ouro.

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Gambrinus 

Não gostei
- pratos não chegaram ao mesmo tempo
- arroz gordurento
- relação qualidade/preço

Gostei
- história (imaginada?) por detrás do balcão do restaurante
- pão com manteiga
- acolhimento, distantemente amigável
- robalo e espetada
- café de balão

E nunca mais lá me apanham.

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terça-feira, junho 14, 2011

Always 

"...every history of the past is ultimately the 'ontology of the present,' [...]

we always perceive our past within the horizon of our present preoccupations..."

Slavoj Zizek

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Waste 

"I'm fed up fighting people who either die or disappear so they can bug us eternally.

It's just a waste of everybody's time".

How to read superhero comics and why, Geoff Klock

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Tempo 

"That form of snobbery which can accept the Literature of Entertainment in the Past, but only the Literature of Enlightenment in the Present".

Raymond Chandler

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We 

"We have abandoned the appearance of power to preserve the essence of it".

Foundation's Edge, Isaac Asimov

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Robot 

"Eventually the robots grew advanced enough to become just sufficiently human to appreciate why human beings should resent being deprived of everything human in the name of their own good.

In the long run, the robots were forced to decide that humanity might be better off caring for themselves, however carelessly and ineffectively".

Foundation's Edge, Isaac Asimov

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Participation 

"A happy wall is a long-lived wall, a practical wall, a useful wall".

Foundation's Edge, Isaac Asimov

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Dom 253 

"He recited the two hundred and fifty-three syllables of his name in a musical flowing of tone and emphasis.

In a way, he said, it is a brief biography of myself. It tells the hearer - or reader, or senser - who I am, what part I have played in the whole, what I have accomplished.

For fifty years and more, however, I have been satisfied to be referred to as Dom".

Foundation's Edge, Isaac Asimov

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segunda-feira, junho 13, 2011

I work wonders 

"Men grow addicted to me on short order. Even dignified elderly men are overcome with boyish ardor.

Pelorat laughed. I wouldn't count on much boyish ardor, Bliss, but if I had it I could do worse than have it on your account, I think.

Bliss said, Oh, don't discount your boyish ardor. I work wonders".

Foundation's Edge, Isaac Asimov

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1984 in 1982 

"It seems to me, Golan, that the advance of civilization is nothing but an exercise in the limiting of privacy".

Foundation's edge, Isaac Asimov

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sexta-feira, junho 03, 2011

Para quem ainda acredita 

Para quem acredita, isto está complicado.

Para quem acredita no ideal europeu, entristece ver como o negócio gizado para os mercado e moeda únicos, que se quis equilibrado, se parece agora querer desmoronar. O mercado único implicava a abertura de fronteiras à concorrência livre entre países com competitividades (ainda muito) diferentes, compensada por uma disponibilização de apoio económico e técnico ao desenvolvimento; a adesão ao euro, essa, visava garantir inflação e taxas de juro baixas, por troca com o fim da política cambial e dos défices públicos. Ora, infelizmente, os mecanismos postos em prática para assegurar a implantação daquele plano revelaram-se incapazes de enfrentar o contexto mundial mais difícil, a incapacidade política de controlar os orçamentos e, sobretudo, as falhas do processo de convergência real das economias: as políticas, alertas e fundos disponibilizados em 25 anos de coesão foram afinal insuficientes para fazer evoluir a produtividade portuguesa à altura de nos garantir a competitividade internacional.

Para quem acredita na igualdade entre países europeus, espanta a soberba com que governos prevaricadores, depois de terem violado as regras acordadas, falam dos e com os seus credores. E espanta, da mesma forma, o desrespeito e a ilusória distância com que, no sentido inverso, se pensa e actua. Porque agora que há um problema de dívida soberana no espaço euro, ele é também um problema dos alemães e finlandeses: os seus bancos têm dívida grega e portuguesa nos cofres, todas as suas empresas e cidadãos usam a mesma moeda e os problemas originados pelos desníveis de competitividade na Europa são problemas de todos porque, mais cedo ou mais tarde, a todos afectam. Na verdade, o facto de a União não ser uma área monetária óptima não justifica um regresso ao caduco pensamento mercantilista de há 300 anos (quando se pensava haver desequilíbrios comerciais bons - os superávites - e desequilíbrios comerciais maus - os défices).

Para quem acredita na economia social de mercado e na recompensa do mérito e do esforço, é amargo ver como Estado, trabalhadores e empresários têm contribuído para perverter os direitos que se foram conquistando, aqueles que nos salvaram, quer da escravidão do proletariado da revolução industrial, quer da alienação das ditaduras comunistas.

Para quem acredita na política, desilude ver a sua máquina tem mastigado, deformado e deitado fora as ideias mais nobres; como se enche a boca com as palavras do combate à pobreza, à desigualdade e à injustiça, enquanto se criam inutilidades, sinecuras e mordomias para as novas baixas nobrezas, cliques rapaces que se apropriam da máquina de taxar.

Para quem acredita no papel essencial de uma administração pública neutra e de qualidade, assusta ver a que ponto estamos vulneráveis e dependentes do arbítrio de quem, circunstancialmente, está no topo da pirâmide. E a que ponto esses devaneios podem prosseguir sem oposição, de subalternos ou pares, até se chegar a um estado de desastre; se a administração deve ter comando político sob mandato do povo, quem se viu eleito deveria respeitar pareceres técnicos de qualidade e prestar contas à razão.

Para quem acredita na importância de tomar responsabilidade, perguntamo-nos quais serão, a prazo, os resultados da intervenção da troika. Até porque, de três cavaleiros do apocalipse (actuando sem controlo democrático à altura da tarefa de que foram investidos), se pediu que passassem, na mesma montada, a Dom Sebastiões do nosso regresso, resolvendo de uma vez só os problemas que ainda não tomámos em mãos.

Para quem acredita no voto e na democracia representativa e nos partidos, empalidece-se com a completa falta de humildade com que, enfadada e mal-educadamente, os governantes apresentam contas ao país que os elegeu e os paga. E com o arregimentar de fileiras para prestar vassalagem ao líder e ao partido, independentemente de actos e factos, como se de amor futebolístico se tratasse. E assusta ver como os partidos continuam incapazes de se analisar, criticar e renovar, assim impedindo quem tem convicções de os seguir de forma sustentada.

Para quem acredita em segundas (ou últimas) oportunidades, podemos desejar que se alterem agora as bases que permitiram a repetição sucessiva destas actuações governativas. E há exemplos conseguidos: a Alemanha dotou-se de um banco central forte para não revisitar a terrível experiência da hiper-inflação da Weimar dos anos 20.

Para quem ainda acredita, lembremo-nos então que mesmo as piores experiências e reputações podem ser ultrapassadas. Haja esperança.

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As histórias 

Há neste momento três grandes histórias.

A primeira é a narrativa do PS acerca da tragicomédia do PEC 4 e do acordo com a troika, que lembra a história da sardinha que matou o burro. Conta-se em duas penadas. Um pescador foi ao mar, trouxe uma grande quantidade de sardinha e, para a levar para o mercado, começou a carregar o burro. Foi-lhe lançando peixe para os costados e, à medida que a carga aumentava, as pernas do bicho foram começando a fraquejar. Até que, a dada altura, insistindo o homem em atirar sardinhas, o burro não aguentou e deixou-se cair. “Esta última sardinha matou-me o burro”, concluiu o pescador.
O PS procura vender a ideia de que foi a rejeição do PEC 4 pelo PSD que matou o bom crédito, as finanças e a economia do país. Que foi, afinal, aquela última sardinha social-democrata que lhe matou o burro. Verdade seja dita, o PSD mandou, no passado mais ou menos recente, a sua boa dose de sardinhas para cima do animal, e engoliu isco, anzol e linha que o PS lhe lançou na armadilha do PEC em parte porque pensou que poderia voltar atirá-las, estivesse o burro ainda de pé. Não devia ter chumbado a coisa. Mas querer fazer crer que o colapso resultou apenas da última sardinha é chamar-nos a todos de burros.

Outra história que tem sido revisitada e retocada é a da crise internacional. A crise de 2008 abalou as economias mundiais na sua quase totalidade e as dos países mais desenvolvidos em particular. Todos se viram na contingência de agir e, em diversas medidas, suportar a banca e promover a procura agregada, baixando o custo do dinheiro, deixando funcionar os estabilizadores automáticos das economias sociais de mercado (subsídio de desemprego, apoios, gastos sociais) e lançando programas de despesa pública.
Passado o pânico e a reacção inicial comuns, rapidamente os problemas e caminhos trilhados se diferenciaram. As crises financeiras na Irlanda e Islândia, a bolha imobiliária em Espanha e a crise de transparência e dívida soberana da Grécia foram por várias ordens de grandeza mais graves do que a que afectou Portugal (as diferentes características das economias pouparam-nos alguns desses problemas). Quanto às respostas, a Alemanha cedo liderou o alerta contra o despesismo e arrepiou caminho, voltando ao seu sustentável conservadorismo orçamental (e, com o fundamento da economia muito mais saudável, está hoje a recuperar).
A mesma crise, consequências diferentes, respostas diversas. E resultados muito distintos também. Sendo que as comparações com outros países, como costumeiro, só nos envergonham.
Um facto que sobressai pela evidência é a enorme despesa verificada, que aumentou a dívida pública de 60% para mais de 100% do PIB. Ou seja, o dinheiro gastou-se, à fartura, literalmente até à bancarrota. Mas, no entanto, atingimos os 700 mil desempregados, o que mostra que o desemprego conjuntural não pôde ser evitado, nem a queda de produção prevenida. E quanto à competitividade estrutural, depois de uma década de virtual estagnação económica e de real divergência com a média europeia, não há muito a debater.
Pode argumentar-se que, na ausência de acção governativa, ainda teria sido pior. Este argumento é simultaneamente o mais forte e o mais fraco, porque pode desculpar qualquer coisa, desde que se acredite que a alternativa teria sido o dilúvio. É possível, mas complicado, provar um contrafactual. Mas é ainda mais difícil imaginar como é que se poderia ter agido pior. Afinal - mesmo sem comparar com os problemas, respostas e resultados de outros países -, atendendo aos nossos actuais problemas de desemprego e ao nosso lastro estrutural de falta de competitividade, o que é que nos ficou do enorme gasto, para além da enorme dívida?
E há ainda uma herança adicional. Olhando para a extensão dos recursos utilizados, ela foi de tal ordem que nos deixa hoje sem qualquer almofada de segurança. No futuro que nos é permitido antever, estaremos não só totalmente dependentes do apoio externo, conjunturalmente renovado, como estaremos vulneráveis a qualquer nova crise que acaso se nos apresente, por mais pequena que venha a ser.

A terceira história é a da progressão do país. Os seis anos de governação do PS até começaram bem, com esforços de consolidação orçamental, com combate ao corporativismo das farmácias, com a tradicional aposta na educação. A reforma da Segurança Social foi conseguida, a aposta nas energias renováveis foi visionária, mesmo se eventualmente mal implementada, as Novas Oportunidades começaram ao menos com boas intenções, pese as grandes dúvidas sobre os resultados. Mas daí em diante, tudo descambou.
O que tivemos depois foram pretensas benesses que pouco valem, ou porque nunca foram sustentáveis (como o TGV), ou porque são inerentemente injustas (ao abranger todos da mesma forma, como os Magalhães), ou ambos ao mesmo tempo (como o cheque-criança). Todas sofrendo de falta de escrutínio e análise custo-benefício. E todas gerando despesa sem criar capacidade de gerar riqueza.
O fim destas histórias deveria ser, para bem dos partidos, do sistema democrático e do país, seguir um imperativo de sanidade e retirar do nosso governo os responsáveis pela situação actual do país. E se estes últimos não são seguramente os únicos, estão entre os principais. E, se isso não bastasse, esforçam-se a cada dia por continuar ser os melhores representantes do conjunto de opções políticas - de todas as forças - que nos trouxe até aqui. É preciso rejeitar tudo isso, como ponto prévio para recomeçar.

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Portugal tuning 

Portugal passou mais de 20 anos a endividar-se. Podia ter-se dado o caso de ter sido com um objectivo conseguido. Podia ter sido que nos tivéssemos endividado ao longo de uma geração para ter ultrapassado, nessa mesma geração, o atraso estrutural que nos separa há 250 anos da Europa desenvolvida. Se tivesse sido esse o caso, estaríamos, a partir de agora e com os nossos filhos a seguir, a pagar uma factura alta mas uma para a qual encontraríamos justificação. Teríamos investido muito, num curto período de tempo, para criar condições e empregos de maior qualidade, capazes de gerar a riqueza necessária para manter e aumentar o nível de vida e para pagar as dívidas contraídas para o alcançar.
Mas não foi este o caso. Não é que se possa desvalorizar o singular desenvolvimento que o país sentiu depois do 25 de Abril ou que se não encontrem exemplos isolados de gastos que sortiram algum efeito e deixaram legado útil e produtivo. O problema é que se sente, justificadamente, que o resultado não foi proporcional ao esforço. Usou-se de uma falsa largueza, esconderam-se os verdadeiros custos, adiou-se o esforço real; escolheu-se sem cuidado e foram demasiados os recursos desbaratados, esfumados em desvarios ou escapados pelos interstícios da máquina que os administrou em nosso nome.
O lobby do betão, os interesses corporativos, a corrupção simples, explicarão grande parte do desbarato. Outra parte ainda dever-se-á à pouca educação, à falta de visão, à tacanhez que vamos preservando da herança salazarista. Eleitos e eleitores, não vimos para além da vaidade da obra, da auto-estrada, do cimento. Foi necessário no início e, depois, quando, malgrado o desperdício, já o era menos, não soubemos que mais fazer. Quando teria sido preciso passarmos para além do óbvio, não deslumbrámos que outros exemplos copiar e perdemos o pouco norte que tínhamos tido. O ministro pediu mais uma ponte, o autarca encomendou um poste de bandeira ou mais uma rotunda, o patrão até renovou as máquinas mas já não foi capaz de contratar um designer qualificado, o trabalhador preferiu um carro maior ou as férias no Brasil a pagar-se um curso profissional. Nenhum o fez apenas por incúria, cobiça ou estupidez. Mas aconteceu mesmo assim. Poderíamos ter feito melhor, deveríamos ter tido mais visão, governância e civismo, ter feito como outros que partiram também de trás, como a Finlândia, o Luxemburgo, a Coreia do Sul. Mas um país é um povo e as suas circunstâncias e nós atingimos o limite daquele, nestas.
Ao longo destes anos, estivemos a fazer, a fiado, tuning ao carro: pagou-se caro, mexeu-se nalgumas coisas mas, na essência, pouco mudou. Os condutores alimentaram vaidades com estética duvidosa e escapes rotos, a expensas de cuidar do motor e dos travões. Para cúmulo, aceleraram até desgovernar o carro.
Nós, conduzidos, fomos mostrando sempre que ainda não queremos ter idade para guiar. Ao longo de 37 anos, permitimo-nos acreditar em algo em que nem um aluno da primária acredita: que podemos ter tudo, trabalhando ou pagando pouco. E os políticos, da elite que rápida e demasiadas vezes se revelou pior que a média, foram alegremente dando e reagindo a este estímulo. Foram-nos dizendo que sim, que era tudo possível. E nós, em troca, fomos dando o nosso voto, alimentando o vício. O Estado cresceu assim, sobre as boas intenções, as inércias e os interesses, sobre os grandes e pequenos roubos e desejos. De todos.
Estivemos todos nisto mas, não surpreende ninguém, as responsabilidades e os benefícios foram distribuídos de forma desigual. Só alguns obtiveram grandes concessões, contratos de favor e sinecuras milionárias. E, agora, acabada a festa, os sacrifícios vão ser ainda mais injustos.
Quem vai pagar os desvarios lucrativos dos bancos vai ser quem nunca ouviu falar de “produtos estruturados” e quem nunca pediu ao gestor de conta uma aplicação com “uma taxa mais interessante”; quem mais os vai pagar será o pequeno aforrador que actualiza a caderneta na Caixa. Quem se vai ressentir da má gestão dos patrões serão os trabalhadores indiferenciados que ganham - ou perdem - o salário já baixo; quem vai sofrer com o malbaratar dos governos serão os mais doentes, os mais pobres, os que vivem mais longe de Lisboa, os que ainda correm a votar; e quem vai arcar com os erros das famílias serão os filhos e os dependentes. Quem vai pagar, pagar com tudo, em impostos e menor qualidade de saúde, educação, trabalho, liberdade e vida, vão ser as próximas gerações.
E esta é, em si, uma mudança historicamente importante. No mundo ocidental do pós-guerra, o crescimento económico susteve a melhoria das condições de vida - e alguma redução das desigualdades - durante 30 anos. Seguiram-se outras três décadas mais em que se continuou a alimentar o modelo social, desta vez a crédito. E agora, em Portugal, esta será seguramente a primeira geração, depois de 1974, que acorda com o pensamento de que os seus filhos viverão uma vida pior do que a sua. E com o peso de ter desbaratado, em luxo e lixo, o que os filhos, futuros adultos com menos futuro, vão agora ter de trabalhar para pagar.

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