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sexta-feira, junho 03, 2011

As histórias 

Há neste momento três grandes histórias.

A primeira é a narrativa do PS acerca da tragicomédia do PEC 4 e do acordo com a troika, que lembra a história da sardinha que matou o burro. Conta-se em duas penadas. Um pescador foi ao mar, trouxe uma grande quantidade de sardinha e, para a levar para o mercado, começou a carregar o burro. Foi-lhe lançando peixe para os costados e, à medida que a carga aumentava, as pernas do bicho foram começando a fraquejar. Até que, a dada altura, insistindo o homem em atirar sardinhas, o burro não aguentou e deixou-se cair. “Esta última sardinha matou-me o burro”, concluiu o pescador.
O PS procura vender a ideia de que foi a rejeição do PEC 4 pelo PSD que matou o bom crédito, as finanças e a economia do país. Que foi, afinal, aquela última sardinha social-democrata que lhe matou o burro. Verdade seja dita, o PSD mandou, no passado mais ou menos recente, a sua boa dose de sardinhas para cima do animal, e engoliu isco, anzol e linha que o PS lhe lançou na armadilha do PEC em parte porque pensou que poderia voltar atirá-las, estivesse o burro ainda de pé. Não devia ter chumbado a coisa. Mas querer fazer crer que o colapso resultou apenas da última sardinha é chamar-nos a todos de burros.

Outra história que tem sido revisitada e retocada é a da crise internacional. A crise de 2008 abalou as economias mundiais na sua quase totalidade e as dos países mais desenvolvidos em particular. Todos se viram na contingência de agir e, em diversas medidas, suportar a banca e promover a procura agregada, baixando o custo do dinheiro, deixando funcionar os estabilizadores automáticos das economias sociais de mercado (subsídio de desemprego, apoios, gastos sociais) e lançando programas de despesa pública.
Passado o pânico e a reacção inicial comuns, rapidamente os problemas e caminhos trilhados se diferenciaram. As crises financeiras na Irlanda e Islândia, a bolha imobiliária em Espanha e a crise de transparência e dívida soberana da Grécia foram por várias ordens de grandeza mais graves do que a que afectou Portugal (as diferentes características das economias pouparam-nos alguns desses problemas). Quanto às respostas, a Alemanha cedo liderou o alerta contra o despesismo e arrepiou caminho, voltando ao seu sustentável conservadorismo orçamental (e, com o fundamento da economia muito mais saudável, está hoje a recuperar).
A mesma crise, consequências diferentes, respostas diversas. E resultados muito distintos também. Sendo que as comparações com outros países, como costumeiro, só nos envergonham.
Um facto que sobressai pela evidência é a enorme despesa verificada, que aumentou a dívida pública de 60% para mais de 100% do PIB. Ou seja, o dinheiro gastou-se, à fartura, literalmente até à bancarrota. Mas, no entanto, atingimos os 700 mil desempregados, o que mostra que o desemprego conjuntural não pôde ser evitado, nem a queda de produção prevenida. E quanto à competitividade estrutural, depois de uma década de virtual estagnação económica e de real divergência com a média europeia, não há muito a debater.
Pode argumentar-se que, na ausência de acção governativa, ainda teria sido pior. Este argumento é simultaneamente o mais forte e o mais fraco, porque pode desculpar qualquer coisa, desde que se acredite que a alternativa teria sido o dilúvio. É possível, mas complicado, provar um contrafactual. Mas é ainda mais difícil imaginar como é que se poderia ter agido pior. Afinal - mesmo sem comparar com os problemas, respostas e resultados de outros países -, atendendo aos nossos actuais problemas de desemprego e ao nosso lastro estrutural de falta de competitividade, o que é que nos ficou do enorme gasto, para além da enorme dívida?
E há ainda uma herança adicional. Olhando para a extensão dos recursos utilizados, ela foi de tal ordem que nos deixa hoje sem qualquer almofada de segurança. No futuro que nos é permitido antever, estaremos não só totalmente dependentes do apoio externo, conjunturalmente renovado, como estaremos vulneráveis a qualquer nova crise que acaso se nos apresente, por mais pequena que venha a ser.

A terceira história é a da progressão do país. Os seis anos de governação do PS até começaram bem, com esforços de consolidação orçamental, com combate ao corporativismo das farmácias, com a tradicional aposta na educação. A reforma da Segurança Social foi conseguida, a aposta nas energias renováveis foi visionária, mesmo se eventualmente mal implementada, as Novas Oportunidades começaram ao menos com boas intenções, pese as grandes dúvidas sobre os resultados. Mas daí em diante, tudo descambou.
O que tivemos depois foram pretensas benesses que pouco valem, ou porque nunca foram sustentáveis (como o TGV), ou porque são inerentemente injustas (ao abranger todos da mesma forma, como os Magalhães), ou ambos ao mesmo tempo (como o cheque-criança). Todas sofrendo de falta de escrutínio e análise custo-benefício. E todas gerando despesa sem criar capacidade de gerar riqueza.
O fim destas histórias deveria ser, para bem dos partidos, do sistema democrático e do país, seguir um imperativo de sanidade e retirar do nosso governo os responsáveis pela situação actual do país. E se estes últimos não são seguramente os únicos, estão entre os principais. E, se isso não bastasse, esforçam-se a cada dia por continuar ser os melhores representantes do conjunto de opções políticas - de todas as forças - que nos trouxe até aqui. É preciso rejeitar tudo isso, como ponto prévio para recomeçar.

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