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sexta-feira, junho 03, 2011

Para quem ainda acredita 

Para quem acredita, isto está complicado.

Para quem acredita no ideal europeu, entristece ver como o negócio gizado para os mercado e moeda únicos, que se quis equilibrado, se parece agora querer desmoronar. O mercado único implicava a abertura de fronteiras à concorrência livre entre países com competitividades (ainda muito) diferentes, compensada por uma disponibilização de apoio económico e técnico ao desenvolvimento; a adesão ao euro, essa, visava garantir inflação e taxas de juro baixas, por troca com o fim da política cambial e dos défices públicos. Ora, infelizmente, os mecanismos postos em prática para assegurar a implantação daquele plano revelaram-se incapazes de enfrentar o contexto mundial mais difícil, a incapacidade política de controlar os orçamentos e, sobretudo, as falhas do processo de convergência real das economias: as políticas, alertas e fundos disponibilizados em 25 anos de coesão foram afinal insuficientes para fazer evoluir a produtividade portuguesa à altura de nos garantir a competitividade internacional.

Para quem acredita na igualdade entre países europeus, espanta a soberba com que governos prevaricadores, depois de terem violado as regras acordadas, falam dos e com os seus credores. E espanta, da mesma forma, o desrespeito e a ilusória distância com que, no sentido inverso, se pensa e actua. Porque agora que há um problema de dívida soberana no espaço euro, ele é também um problema dos alemães e finlandeses: os seus bancos têm dívida grega e portuguesa nos cofres, todas as suas empresas e cidadãos usam a mesma moeda e os problemas originados pelos desníveis de competitividade na Europa são problemas de todos porque, mais cedo ou mais tarde, a todos afectam. Na verdade, o facto de a União não ser uma área monetária óptima não justifica um regresso ao caduco pensamento mercantilista de há 300 anos (quando se pensava haver desequilíbrios comerciais bons - os superávites - e desequilíbrios comerciais maus - os défices).

Para quem acredita na economia social de mercado e na recompensa do mérito e do esforço, é amargo ver como Estado, trabalhadores e empresários têm contribuído para perverter os direitos que se foram conquistando, aqueles que nos salvaram, quer da escravidão do proletariado da revolução industrial, quer da alienação das ditaduras comunistas.

Para quem acredita na política, desilude ver a sua máquina tem mastigado, deformado e deitado fora as ideias mais nobres; como se enche a boca com as palavras do combate à pobreza, à desigualdade e à injustiça, enquanto se criam inutilidades, sinecuras e mordomias para as novas baixas nobrezas, cliques rapaces que se apropriam da máquina de taxar.

Para quem acredita no papel essencial de uma administração pública neutra e de qualidade, assusta ver a que ponto estamos vulneráveis e dependentes do arbítrio de quem, circunstancialmente, está no topo da pirâmide. E a que ponto esses devaneios podem prosseguir sem oposição, de subalternos ou pares, até se chegar a um estado de desastre; se a administração deve ter comando político sob mandato do povo, quem se viu eleito deveria respeitar pareceres técnicos de qualidade e prestar contas à razão.

Para quem acredita na importância de tomar responsabilidade, perguntamo-nos quais serão, a prazo, os resultados da intervenção da troika. Até porque, de três cavaleiros do apocalipse (actuando sem controlo democrático à altura da tarefa de que foram investidos), se pediu que passassem, na mesma montada, a Dom Sebastiões do nosso regresso, resolvendo de uma vez só os problemas que ainda não tomámos em mãos.

Para quem acredita no voto e na democracia representativa e nos partidos, empalidece-se com a completa falta de humildade com que, enfadada e mal-educadamente, os governantes apresentam contas ao país que os elegeu e os paga. E com o arregimentar de fileiras para prestar vassalagem ao líder e ao partido, independentemente de actos e factos, como se de amor futebolístico se tratasse. E assusta ver como os partidos continuam incapazes de se analisar, criticar e renovar, assim impedindo quem tem convicções de os seguir de forma sustentada.

Para quem acredita em segundas (ou últimas) oportunidades, podemos desejar que se alterem agora as bases que permitiram a repetição sucessiva destas actuações governativas. E há exemplos conseguidos: a Alemanha dotou-se de um banco central forte para não revisitar a terrível experiência da hiper-inflação da Weimar dos anos 20.

Para quem ainda acredita, lembremo-nos então que mesmo as piores experiências e reputações podem ser ultrapassadas. Haja esperança.

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