segunda-feira, agosto 13, 2018
Grão
Fui visitar o palácio do grão-duque cá do
sítio; uma vintena de pessoas e o guia a percorrer umas dez salas, falando-nos
da princesa Nassau-disto e da rainha Orange-daquilo, tão bonitos naquele quadro
e naqueloutro, e de como aqueles primos direitos Westminster casaram, e de como
depois veio uma princesa portuguesa e se decidiu da religião do país com base no
número de filhos varões (0), e de como foram construindo este e aquele palácio
e depois mais outro, mas que agora são todos do governo, que lhes paga a
manutenção, e do funeral de um Romanov a que os grãos-duques foram em 1910, e
de onde trouxeram como lembrança dois vasos e uma mesa de malaquite que valem
hoje tanto quanto 5 casas…
À medida que passávamos de uma sala para outra,
o meu estômago borbulhava, e eu só pensava no absurdo de chamar “Lady” a alguém,
na bacoquice desta adulação, na riqueza sem justificação, enfim, na revolução
francesa e na boa ideia de cortar a cabeça a estes papalvos todos. Mas o que mais
me irritou foram as referências às grã-duquesasinhas que mais se devotaram à
população, dando aos pobres e aflitos, e a quem depois 98% dos luxemburgueses
repagaram erigindo estátuas por subscrição pública voluntária.
Claro que, mesmo que autocráticos, é melhor ter
líderes amados do que detestados e é preferível ter primeiras damas com coração
do que insensíveis. E compreendo também que é preciso ter pompa e
circunstância, para criar a distância necessária para que o poder possa ser
exercido e para dar às pessoas rituais e espectáculo. E até intuo que, hoje em
dia, o problema está menos com estes tótós do que com os verdadeiros senhores
do universo, que controlam a riqueza e o poder de outra forma, sem coroas na
cabeça. E que 70 anos de comunismo “real” foram vacina mais do que suficiente
para veleidades revolucionárias e “novos homens” soviéticos.
Mas mesmo assim, a meio da visita, já me estava
a imaginar como Lenine em cima de uma caixa de sabão, a exigir justiça em vez
de caridade. E a ser recebido com olhos de incompreensão e repulsa, e a ficar desgostoso
e revoltado, por ser o próprio povo que eu procurava salvar a recusar-se a ver
a inteligência do meu argumento, a rejeitar quem o queria iluminar e libertar, a
preferir defender os que o oprimem, aplaudindo quem lhes atira migalhas e esmolas
pagas, afinal, com o seu próprio trabalho.