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domingo, janeiro 06, 2019

A despensa 

A despensa era um pequeno cubículo ao lado da cozinha. Na realidade, é provável que não fosse assim tão pequena, mas estava cheia a ponto de se não poder ver o fundo, as paredes, ou mesmo o chão, e isso acaba por enganar.
Era para enganar a fome que lá ia buscar, a uma grande caixa, cilíndrica, metálica e florida, os biscoitos em forma de trevo que a avó da Ana Maria fazia em casa.
A avó da Ana Maria vivia quase em frente à minha Avó, do outro lado do rio que teve a certa altura a dúbia honra de ser a rua mais movimentada e poluída de Lisboa. Sentava-se à varanda do primeiro andar e dizíamos-lhe "bom dia" quando passávamos. A Ana Maria era preta, tinha o cabelo em carapinha, e a avó era branca, e tinha-a adoptado, era tudo o que sabíamos, e realmente, para além de quão bons eram os biscoitos, não havia mais que saber.
Com todas as suas cores, a carpete de Arraiolos que a minha Avó estava a coser - e estava sempre a coser uma - era fechada num enorme saco grená. Inicialmente, este ainda acabava na despensa, no único espaço por sorte ainda livre debaixo das prateleiras em forma de ferradura.

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