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quarta-feira, janeiro 09, 2019

O corredor 

O corredor da casa da minha Avó era um "L" caído, característica que lhe ficava bem, numa casa em que tantas coisas eram às avessas.
Do lado mais comprido, podia dizer-se que ligava o quintal, pela cozinha e passando pela sala, à porta da rua e ao quarto da Avó. Aí, virava à esquerda a 90 graus, deixava os quartos do meu tio e mãe à sua direita e levava-nos à casa de banho, ali no final, à esquerda.
A parte que me interessa é esta última.
Era aqui que se encontrava o telefone, que no início era grande, preto, baço e todo muito pesado, com um bocal saliente a proteger o microfone, como que a canalizar o som e a colher cada palavra para dentro da máquina (adequado, porque, como qualquer criança, não gostava de falar ao telefone e era preciso puxar-me a conversa para fora da garganta). Os números marcavam-se rodando o mostrador, que regressava depois à posição original com um barulho de mola. Lembro-me de o fazer mexer muito depressa, puxando o buraco do algarismo a toda velocidade com o indicador, até bater no triângulozinho metálico que servia de travão ao mecanismo; a cada vez, a peça ignorava esse meu esforço e regressava ao início sempre com a mesma exacta lentidão, sem acelerar um nada ao seu passo pachorrento.
Às vezes, à noite e às escuras, ia quase a correr do hall até ao quarto ou até à casa de banho, coração aos saltos até encontrar descanso no interruptor e fazer regressar a luz. Era um exercício mental, uma luta activa, apenas meio vitoriosa, contra o grande medo dos fantasmas.

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