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terça-feira, janeiro 08, 2019

O quarto da minha mãe 

O quarto da minha mãe foi também o meu, enquanto vivi na casa da Avó e já não dormia com ela.
Não havia muito para fazer lá excepto dormir. Mas às vezes, ia lá também para ouvir a caixa de música da minha mãe, que abria em espelho, mostrava uma bailarina e tocava uma parte reconhecível da "Fur Elise". Era um exercício deliberado em melancolia enquanto os meus pais estavam no Porto.
Os móveis - cama, cómoda, armário - eram de um estilo parecido com o do quarto da minha Avó, mas mais claros, e brilhantes de verniz. Ao lado da cama, já colado à janela (aqui não havia acesso à varanda), repousou durante muito tempo um berço, melhor, uma caminha com guardas altas. Algures debaixo da cama havia malas antigas, que me pareciam de cartão, com tiras de couro e fivelas de cinto.
A cama era enorme para mim, e confortável. Não era sempre quente mas acabava por ficar, se nos fechássemos bem nos cobertores que ofereciam um calor pesado. Se estava mesmo frio, a Rosa trazia uma botija de água quente, que queimava mesmo através da saca, e que era preciso aprender a mexer e rolar perto dos pés. O melhor mesmo era quando a botija já tinha sido posta antes de se entrar na cama, enrolada no pijama. Vesti-lo no gelo do quarto era um prazer em si, aumentado pelo cheiro da roupa aquecida, entrecortado por pequenas escaldadelas.
Lembro-me de os meus primos serem pequenos e me quererem acordar para irmos brincar, e de eu os tentar convencer, sem ninguém acreditar mas em troca de mais uns segundos de olhos fechados, que ainda era noite e que a luz que vinha da janela era apenas a dos candeeiros da rua.

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