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segunda-feira, janeiro 07, 2019

O quarto do meu tio 

O quarto do meu Padrinho, do meu tio, era o de que eu mais gostava. Tinha ligeiramente menos coisas e sentia-me ali menos claustrofóbico. Lado a lado com o da Rosa e com a sala, era onde passava mais tempo a brincar.
Tinha tido uma carpete azul, toda azul, mas isso tinha já sido, mesmo para mim, há muito tempo. Tinha sido no tempo em que o meu Padrinho tinha lá montado um pequeno comboio eléctrico, mantendo a porta fechada durante horas infindas para me fazer a surpresa. A linha e a locomotiva e as carruagens eram pequenas, claro, mas eram miniaturas de qualidade, não plásticos vulgares de Lineu.
Depois disso, o quarto tinha perdido o atapetado no chão e também a cama, substituída por um sofá. À esquerda da porta, ocupando toda a parede até à janela, permanecia um móvel que juntava armários, estantes e duas portas, nos extremos, que desciam com dobradiças para criar escrivaninhas.
Uma delas, a que tinha autocolantes no interior, à direita, era a que eu podia usar para brincar aos escritórios. Um dos autocolantes era de uma corporação de bombeiros belga. Era o companheiro da viola que estava atrás da porta, lembranças de uma volta à Europa à boleia do meu tio, a que se juntam histórias de amores que reverberam até hoje. Um dos armários de papéis, aliás, tinha poemas, incluindo um dactilografado, em que se brincava com a posição dos versos na folha, com os alinhamentos verticais e com a fita de cor vermelha para criar poesia visual.
Em cima do armário pousava um grande modelo de avião com que adorava brincar. Faltava-lhe apenas um pino no encaixe do suporte, acho que não por minha culpa, e umas lascas de tinta.
No armário havia uma pequena televisão a preto e branco e lembro-me de a ligar para brincar aos grandes: "ver" algo enquanto fumava um lápis e tomava uma bebida.
Na escrivaninha havia um candeeiro metálico, com uma lâmpada incandescente azul que uma vez fiz rebentar ao tentar secar o meu pijama molhado.

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