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domingo, janeiro 13, 2019

Sala 

A sala era um dos sítios onde passava mais tempo. Porque tinha a mesa e porque tinha a televisão.
A mesa era importante porque se podia brincar com os carrinhos e bonecos em cima, desde que se afastasse uma espécie de vaso com as flores de plástico, muito mais pesado do que se poderia imaginar, e se colocasse uma toalha espessa para proteger o tampo. Feito isto, havia espaço e tempo para fazer corridas e preparar guerras.

A televisão estava no canto oposto à janela, que dava para o quintais e de onde se podia ver, à esquerda, a janela do quarto da Rosa. A janela da televisão, essa, dava para as séries americanas que diziam que tudo era possível, para o canal 2, para a mira técnica, para o tédio de não haver distracção garantida, que acabava por me atirar para os brinquedos ou para os livros do quarto do meu tio (uma colecção de capa preta sobre os mistérios do Triângulo das Bermudas, dos OVNIs, e das religiões da suástica).

Havia na sala um sofá individual, que a dada altura foi renovado e já não me servia o corpo da mesma maneira quando me deitava ao través para ver televisão. Nessa parede seguia-se um aparador, parecido com Chippendale (acho eu: tinha linhas curvas, detalhes esculpidos, conchas e pés em pata de leão), tal como o resto da sala e os móveis do quarto da minha Avó. Outro aparador repetia-se na parede seguinte.

A seguir, ao pé da porta da sala, havia uma cristaleira, ou louceiro, que tinha um dente de marfim todo esculpido e dezenas e dezenas de taças. Por cima, o relógio de parede a que era preciso dar corda todas as semanas, subindo acima de uma cadeira para fazer rodar a chave em três buracos diferentes, fazendo soar o mecanismo.

Havia também um piano. Preto, alto, esguio. A melhor coisa do piano era a pista de carros: uma faixa recta e plana que descansava entre as dobradiças do tampo das teclas e a coluna vertical, e onde cabia exactamente um carrinho. Fora isso, não havia muito que fazer com o piano, à parte tocá-lo, o que nunca teria passado pela cabeça de ninguém.

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